O Mito da Imunidade Intelectual: Quando o Conhecimento se torna a Própria Armadilha

Muralha Oeste de Jerusalém
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A história de Salomão é, talvez, a narrativa mais melancólica das Escrituras. Ela nos apresenta o paradoxo de um homem que possuía as chaves intelectuais do universo, mas que perdeu a chave do próprio coração. Sua trajetória é o maior exemplo bíblico de que a sabedoria informativa é bem diferente da sabedoria transformadora. No início de seu reinado, Salomão demonstrou uma humildade rara ao pedir um coração compreensivo para governar com justiça. Essa escolha agradou a Deus, que o elevou a um patamar de glória sem precedentes, transformando-o no centro do mundo intelectual da época. Reis e rainhas viajavam longas distâncias para ouvir sua sabedoria.


Entretanto, sua queda não ocorreu de forma súbita, mas através de uma infiltração lenta e silenciosa, assim como Sansão tratou sua força física como um recurso inesgotável e independente de sua consagração, Salomão parece ter tratado sua sabedoria como um escudo intelectual que o tornaria imune às influências espirituais das alianças que ele mesmo costurou, confiou na própria capacidade de gerenciar o risco, perdendo-se em um labirinto de concessões. Ao se casar com centenas de princesas estrangeiras, ele criou uma complexa engenharia geopolítica, provavelmente acreditando que sua mente era tão iluminada que poderia conviver com o paganismo dessas esposas sem ser contaminado por ele.


O que a sabedoria humana de Salomão classificava como tolerância política para manter a paz do reino, a perspectiva divina revelou como suicídio espiritual. O paralelo com Sansão torna-se aqui revelador: ambos esqueceram que o dom — fosse a força ou a inteligência — era o resultado de uma aliança e não um substituto para ela. Enquanto Sansão achou que poderia brincar com o pecado e manter o vigor, Salomão acreditou que poderia flertar com o sincretismo e manter a comunhão. O mesmo rei que construiu o Templo ao Deus Único também edificou altares para divindades cujos rituais eram terríveis.


Essa história destrói o mito de que a inteligência serve como escudo contra a corrupção. Muitas vezes, a alta capacidade intelectual cria um ponto cego, levando o indivíduo a acreditar que pode racionalizar o erro ou que é uma exceção às leis morais. Salomão  sabia o que era certo, mas não amava o que era certo acima de tudo. Enquanto Sansão falhou por falta de domínio próprio em sua força física, Salomão falhou por falta de vigilância em sua alma, tentando caminhar entre as chamas sem se queimar. O fim de sua vida, conforme refletido em Eclesiastes, é o desabafo de quem descobriu que tudo é vaidade sem o temor de Deus. Sua trajetória nos ensina que a nossa integridade depende da graça contínua e da dependência de Deus, independentemente de quão brilhantes possamos ser.